O Código Civil Brasileiro prevê apenas duas modalidades de guarda: a guarda unilateral, consistente no exercício exclusivo e prioritário das responsabilidades parentais e a guarda compartilhada, na qual as responsabilidades são divididas entre os genitores.
Mesmo não prevista no ordenamento pátrio, necessária a análise da guarda alternada, modalidade que sempre é motivo de confusão e dúvidas, na qual os genitores se alternam no exercício da guarda dos filhos. A guarda alternada implica uma alternância matemática da base da residência dos filhos. Significaria, assim, uma alternância do poder de decisão, vez que, em cada residência o genitor exerce suas próprias regras. O filho passaria uma semana com a mãe e uma semana com o pai, por exemplo.
Desde que a guarda compartilhada começou a ser aplicada no ordenamento jurídico, o entendimento era de que importava na responsabilização e no exercício conjunto de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto. Fixada uma residência de base, na qual os filhos teriam estabelecido seu cotidiano, seu ambiente, o poder de decisão era conjunto. A guarda compartilhada não pressupõe que a criança ou adolescente tenha duas casas, alternando sua morada ora na casa da mãe, ora na do pai. Alguns juristas defendem que tal alternância retiraria do menor a sua referência espacial. Essa alternância de residências seria, portanto, característica da guarda alternada, carente de previsão e aplicação em nosso ordenamento.
As discussões a respeito da guarda compartilhada continuaram e sua aplicação continuou sendo alvo de divergências. Em dezembro de 2014, a guarda compartilhada foi estabelecida como regra no ordenamento jurídico, independente de consenso entre os pais e independente do local de suas residências. O objetivo da lei foi o de afastar equívocos na interpretação da guarda, para que os pais possam partilhar um com o outro as responsabilidades com o sustento, educação e convívio com os filhos de forma direta e conjunta.
Caso residam em cidades diferentes, a cidade base de moradia será aquela que melhor atenda aos interesses dos filhos, como prevê o § 3º do artigo 1.583 do Código Civil. Ora, se é possível que se estabeleça a guarda compartilhada entre pais que residem em cidades diferentes, com fixação da residência dos filhos em uma das cidades (a que melhor atenda a seus interesses), por que se exigir que morando na mesma cidade eles alternem sua residência? Não nos parece o sentido da lei.
Assim, seguindo o entendimento de Conrado Paulino da Rosa, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, entendemos que a guarda compartilhada significa que os pais, de forma conjunta, tomarão as decisões quanto à escolaridade, saúde, lazer e demais providências inerentes à vida de seus filhos. A fixação da residência é independente do compartilhamento de tais decisões e atenderá ao melhor interesse dos filhos.
Na guarda compartilhada haverá, portanto, o compartilhamento das decisões, mesmo fixada a base da residência com um dos genitores. E podemos acrescentar que não há necessidade de contato diário entre os pais, o que na maioria das vezes é complicado após o término do relacionamento. A ideia é de que haja compartilhamento de decisões estruturais, como o estabelecimento escolar, plano de saúde, terapia e esportes, por exemplo.
A divisão do tempo de convívio dos pais com os filhos não será, portanto, uma operação matemática. A lei prevê que o tempo de convívio entre os pais e os filhos deve ser fixado de forma equilibrada, buscando afastar a fixação de meros finais de semana alternados e dependerá da análise de cada caso.
Mesmo estabelecidas as premissas e diferenças entre a guarda compartilhada e a guarda alternada, com o passar do tempo alguns juristas passaram a defender a utilização da guarda compartilhada em residências alternadas, para que os filhos tivessem seu ambiente, se sentissem em casa, tanto quando estivessem sob os cuidados da mãe, quando do pai. Ocorre que, apesar de parte da doutrina defender a diferença entre guarda alternada e residências alternadas, na prática a aplicação é semelhante. Os filhos se deslocam para a residência do pai e da mãe, em períodos quase que matemáticos. Tal prática, certamente, aumenta a confusão entre guarda alternada e guarda compartilhada.
O enunciado 603 das Jornadas de Direito Civil sintetiza o entendimento aqui defendido: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2º do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.”
A guarda compartilhada, assim, mostra-se a mais adequada ao exercício conjunto do poder familiar, para que os pais, ainda que separados, sigam realizando, da melhor forma, suas funções parentais, sem que haja divisão estanque de tempo de convívio entre eles e os filhos. A divisão deve ser equilibrada e não igualitária, pois deve-se considerar a rotina dos pais e dos filhos. Caso a determinação da lei fosse de divisão igualitária, a moradia deveria ser fixada na casa de ambos os pais e não na que melhor atenda aos seus interesses, como previsto na lei.
Texto por Stela Cunha Velter, advogada familiarista há mais de 25 anos, professora universitária há 18 anos, Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Associação Brasileira de Advogados de Mato Grosso (ABA/MT) e presidente da Comissão de Ações Sociais do IBDFAM/MT. Instagram: @stelacvelter
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